terça-feira, 28 de abril de 2009

Fluência - Adélia Prado





Fluência

Adélia Prado


Eu fiz um livro, mas oh meu Deus,
não perdi a poesia.
Hoje depois da festa,
quando me levantei para fazer café,
uma densa neblina acinzentava os pastos,
as casas, as pessoas com embrulho de pão.
O fio indesmanchável da vida seguia seu curso.
Persistindo a necessidade dos relógios,
dos descongestionantes nasais.
Meu livro sobre a mesa contraponteava exato
com os pardais, os urinóis pela metade,
o antigo e intenso desejar de um verso.
O relógio bateu sem assustar os farelos sobre a mesa.
Como antes, graças a Deus.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Meu primeiro livro - Neruda


Meu primeiro livro! Sempre sustentei que a tarefa do escritor não é misteriosa nem mágica, mas que, pelo menos a do poeta é uma tarefa pessoal, de benefício público. O que mais se parece com a poesia é um pão ou um prato de cerâmica ou uma madeira delicadamente lavrada, ainda que por mãos rudes. No entanto, creio que nenhum artesão pode ter como o poeta tem, por uma única vez durante a vida, esta sensação embriagadora do primeiro objeto criado por suas mãos, com a desorientação ainda palpitante de seus sonhos. É um momento que não voltará nunca mais. Virão muitas edições mais cuidadas e belas. Chegarão suas palavras vertidas na taça de outros idiomas como um vinho que cante e perfume em outros lugares da terra. Mas esse minuto de arrebatamento e embriaguez, com som de asas que revoluteiam e de primeira flor que se abre na altura conquistada, esse minuto é único na vida do poeta.
(Pablo Neruda em Confesso que vivi, p. 53).

terça-feira, 21 de abril de 2009

Sem Fim

foto: Carmen Fanganiello

Sem Fim
(Mara Senna)

Meu sonho foi realizado!
Foi estranho tocá-lo com a palma da mão.
Agora me pareceu tão leve,
cheio de gás,
feito um balão.
Parecia tão longe e tão denso,
ficou normal, cotidiano,
até amigo.
Parece estrela que desceu e veio morar comigo.
Se eu digo a ele que o achava impossível,
ele ri de mim e não entende a demora:
‘Sonho, minha amiga, foi feito pra toda hora!
Sempre haverá um na terra e outro lá no céu.
Sempre um pronto na sua vida
e outro em projeto,
no seu coração.
Sonho, minha amiga, é só começo
Nunca tem fim, não!’

Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora (Mara Senna).Você não pode fazer uso comercial deste texto

sábado, 18 de abril de 2009

Adélia Prado





Na Feira do Livro de Ribeirão Preto de 2008, tive o grande prazer de conhecer
Adélia Prado, por quem tenho a mais profunda admiração e respeito. Criei coragem, entreguei a ela os meus poemas e saí pelas ruas feliz da vida com esse encontro tão especial para mim. Agora, que estou publicando o meu livro, quero render a ela minha homenagem publicando um poema seu aqui no blog. É difícil para mim escolher um, pois gosto de quase todos dela. Mas neste abaixo, há um verso de que eu gosto de modo especial por ser uma grande verdade: "aprendendo de vez que se deve esperar biblicamente pela hora das coisas". Obrigada, Adélia!


Podei a roseira no momento certo
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira
constelada,
os botões,
alguns já com rosa- pálido
espiando entre as sépalas,
jóias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizam-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Antônio Cícero

Nesta expectativa de lançamento do meu livro, quero compartilhar com vocês este lindo texto do Antônio Cícero


Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

Antônio Cícero

terça-feira, 14 de abril de 2009

Lançamento do meu livro


Prezados amigos do blog,
está chegando a hora do lançamento do meu livro de poemas.
Dia 24/4 às 20:00 horas na Paraler do Ribeirão Shopping.
Estão todos convidados!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Letra de música - Cotidiano 2


"Há dias que eu não sei o que me passa
Eu abro o meu Neruda e apago o sol."
(Vinícius de Moraes e Toquinho)





sábado, 4 de abril de 2009

Na sua mão - Mara Senna

Na sua mão

(Mara Senna)

Eu estou na sua mão
feito um filhote de passarinho arrepiado.
Nem penso em fugir,
encontrei meu ninho.
Eu estou na sua mão
feito um passarinho...

Eu estou na sua mão
e sinto-me nua,
leve,
frágil e transparente asa de aleluia,
sem nada a esconder.
Eu estou na sua mão como quem
deixa-se estar,
sem pressa de sair,
com vontade de ficar.
Mas não se engane comigo: eu sei voar;
só estou porque desejo estar.
Eu estou na sua mão como quem sabe.
Eu estou na sua mão como quem gosta.
Não finjo ser feliz, neste momento,
eu sou.
Quando estou na sua mão,
eu voo
muito além de onde poderia voar.

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 à autora (Mara Senna).
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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Quem nunca? - Mara Senna


Quem nunca?

(Mara Senna)

Levante a mão!
Levante a mão
quem nunca lambeu sabão,
quem nunca engoliu sapo,
quem nunca levou um bolo,
nem ficou de orelha em pé?
Levante a mão quem é,
que nunca plantou batata,
quem nunca comeu mosquito?
Eu acho muito esquisito,
quem nunca levou um fora,
nem chegou fora de hora,
quem nunca perdeu a viagem.
Eu acho muita coragem
dizer que só leva vantagem,
que nunca teve dor-de- cotovelo,
nem que nunca deu o braço a torcer
Eu acho de doer,
quem nunca foi pro fundo do poço,
quem nunca pisou em ovos,
nem pôs as cartas na mesa.
Eu acho uma beleza,
quem já teve pulga atrás da orelha,
quem já bateu na mesma tecla,
bateu com o nariz na porta.
A mim, pouco me importa,
quem nunca entrou pelo cano,
nem nunca rodou a baiana,
nem pôs a boca no trombone,
nem deu com a língua nos dentes.
Quem serão estes diferentes?
Levante a mão!
Levante a mão!
Ah... ninguém levantou, não?
Bom, então vou caminhando
que eu ainda pego meu bonde andando...

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