terça-feira, 30 de junho de 2009

Lua Azul - Mara Senna


Lua Azul

Noite rara de lua azul.
Parecem tão desorientadas,
as impecáveis estrelas
do Cruzeiro do Sul!
Intuitivas, as mulheres-lobas
deixam seus esconderijos,
emergem das cavernas de dentro do peito.
Os homens, falhos de sexto sentido,
mal conseguem disfarçar seu despeito.
E os lobisomens, coitados,
perambulam de novo, atordoados.
As grandes marés, obedientes,
mais uma vez cumprem a sina.
E os navegantes, hipnotizados,
deixam-se levar,
sem norte,
só Deus sabe se até a morte...
Apenas a lua cheia, imaculável,
reina absoluta.
Expõe, sem pudores,
sua nudez redonda, estonteante.
E eu, selenita extraviada,
debruçada na minha janela,
assisto a tudo, extasiada.
E, por fim, já madrugada alta,
contrariada me despeço;
vence-me o sono.
Mas nem tudo está perdido:
resta-me ainda,
o doce consolo dos sonhos enluarados...


Mara Senna
Nota da autora: O fenômeno da lua azul é raro e não acontece todos os anos. A última vez ocorreu dia 31 de maio de 2007. Se você acha que Lua Azul é a cor com que nosso satélite será visto no céu, enganou-se. Lua Azul não é nada além do nome dado à Lua cheia que acontece duas vezes no mesmo mês. O fato se dá devido ao ciclo lunar de 29.5 dias, o que torna perfeitamente possível que em um mesmo mês sua fase se apresente cheia por duas vezes. Sendo fevereiro o único mês impossível de se ter a Lua Azul, mesmo em anos bissextos. Inclusive é possível um ano não ter Lua Cheia no mês de fevereiro, nesses anos, acontece uma Lua Cheia no final de janeiro e a outra no início de março, ou seja 2 Luas Azuis no mesmo ano, em janeiro e março. Isto ocorre em média a cada 35 anos. (Fonte: Wikipedia)

domingo, 28 de junho de 2009

Paciência - Lenine

Paciência
Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...
Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...
Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...
Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...


Composição: Lenine e Dudu Falcão

sábado, 27 de junho de 2009

Olavo Bilac - UM BEIJO

Um Beijo

Foste o beijo melhor da minha vida,
Ou talvez o pior...
Glória e tormento,
Contigo à luz subi do firmamento,
Contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
E do teu gosto amargo me alimento,
E rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
Batismo e extrema-unção, naquele instante
Por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
Beijo divino! e anseio, delirante,
Na perpétua saudade de um minuto...


Olavo Bilac

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Carlos Heitor Cony - Mila

Ontem, tive o prazer e o privilégio de conhecer Carlos Heitor Cony e sua esposa Beatriz, que vieram para a Feira do Livro de Ribeirão Preto. Fui buscá-los no aeroporto.
É maravilhoso quando além de ser fã do escritor, você fica fã da pessoa. Cony é daquelas pessoas que irradiam cordialidade, simpatia; sabedoria, ; sua simplicidade encanta. Eu acredito que aqueles que são muito bons no que fazem, dificilmente têm alguma arrogância, pois não precisam provar nada para ninguém.
Transcrevo aqui mais um belíssimo texto de Cony sobre um dos grandes amores de sua vida: sua cachorra Mila. Desfrutem!


Mila 04/06/1995
RIO DE JANEIRO - Era pouco maior do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás. E, como eu não tinha muito jeito, enconstei-a ao peito para que ela não caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela também. Dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me profundamente: escolheu-me para dono. Pior: me aceitou. Foram 13 anos de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?
Amá-la — foi a resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu a minha festa, não queria disputar espaço, ser maior do que a minha tristeza.
Tendo-a a meu lado, eu perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque passamos a ser três. E passeavamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu "fumos fidalgos", como o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Saba numa liteira inundada de sol e transportada por súditos imaginários.
No sábado, olhando-me nos olhos, com seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha compreendido. Bem maior do que minha mão, bem maior do que o meu peito, levei-a até o fim. Eu me considerava um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a crônica para ficar com ela.
Até o último momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a, em meus braços, apoiada em meu peito. Apertei-a com força, sabendo que ela seria maior do que a saudade.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Confissão - Mara Senna


Como o Chile é o país homenageado na 9.a Feira do Livro de Ribeirão Preto, fiz este poema em homenagem a Pablo Neruda, como se fosse sua amante Matilde quem o fizesse.


Confissão


Confesso que vivo a te procurar.
Nas noites de versos tristes
eu tento vislumbrar a tua imagem perdida
no céu infinito de estrelas, que amavas tanto.
Não te encontro em meio às constelações.
Adormeço sempre em pranto.

Confesso que vivo a te procurar.
O som de naufrágio da tua canção desesperada
ecoa pelos meus ouvidos.
Mas nunca sei ao certo de onde vem
nem para onde vai.
Fico feito um navio sem porto e sem rumo.

Confesso que vivo a te procurar
Leio e releio teus versos e tuas cartas,
busco teus vestígios nas palavras,
e, nessa fome,
devoro teus livros como se fossem teu ser.
Mas, na boca, sobra-me apenas
o gosto amargo da tua ausência.

Confesso que vivo a te procurar.
A minha alma aflita voa
até os picos mais altos dos Andes
e depois, sem encontrar-te,
deixa-se cair desamparada e nua
no precipício gelado do desencanto.

Tu te foste menino grande!
E eu, que sempre te quis tanto,
de muito procurar-te, exausta me prostro.
E fico à tua espera, sob a luz da lua,
querendo encontrar fim e morte,
pois na vida eu só soube ser amante tua.

Nas noites geladas de ventos cortantes
sinto falta do teu calor
e, em vão, choro um rio Imperial por ti.
Mas, como não vens mais
permaneço então ausente e muda.
Mas confesso que muito te amei,
meu poeta, Pablo Neruda!


(Mara Senna)

domingo, 21 de junho de 2009

Paulo Leminski - Um homem com uma dor

foto: escultura de Pablo Picasso - Paris



Um homem com uma dor

Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Feira do Livro de Ribeirão Preto

Literatura, uma paixão
“Às vezes, as pessoas me perguntam se tenho o hábito da leitura e respondo:

Mais do que hábito, eu tenho paixão”.
(Ariano Suassuna, escritor brasileiro)


Eu também.
Hoje começa a 9a. Feira do Livro de Ribeirão que para mim este ano, tem o gosto especial de ser a primeira feira em que participo como escritora 'oficial'.
Meu livro LUAS NOVAS E ANTIGAS estará sendo vendido no estande dos autores locais e estarei lá, em contato direto com o leitor, trocando ideias, autografando...
Bom demais!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dança de Outono - Mara Senna

foto: Central Park -New York

Dança de outono

Mara Senna

Vem, dança comigo!
Só quero contigo
mais uma dança,
eu juro.
Só aquela que faltou.
Só mais uma vez:
teus braços ao redor
das minhas costas,
mãos que se tocam,
teu hálito quente.
Na minha nuca
um arrepio de frio e de medo.
Tuas palavras no meu ouvido,
segredo...
A nossa primeira dança,
foi plena primavera.
Tudo era novo.
Agora não.
Esta será
a última dança de outono.
Neste momento,
É preciso que parem
todos os relógios
aqui dentro!
Parem a areia do tempo!
Lá fora, inevitavelmente,
as folhas cairão,
o inverno vai chegar,
as primaveras renovarão tudo,
e darão lugar a outros verões,
até mais felizes.
Mas, lá fora, de novo,
eu não poderia seguir-te
e chegaria a hora terrível do adeus.
Viria a distância intransponível
e eu te perderia de vista
quem sabe se por mais mil anos.
Começaria uma espera inútil.
Por isso, aqui dentro, agora,
dança comigo,
abraça-me para o resto da vida.
O resto da vida é muito tempo lá fora,
mas, aqui dentro, ele é só esse momento.
Enquanto o ponteiro não andar,
Haverá sempre a expectativa do amor.
Lá fora,
tantos amores já terão se acabado.
Aqui dentro,
o amor será sempre uma promessa.


Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora (Mara Senna). Você não pode fazer uso comercial deste texto.

domingo, 7 de junho de 2009

Clarice Lispector - Não te amo mais

Na semana do Dia dos Namorados, nada melhor do que este genial poema de Clarice que, lido de cima para baixo serve para os desiludidos e, lido de baixo para cima para os apaixonados. Escolha a sua interpretação...

Não te amo mais
Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

SAUDADE


Foto: Clark Little


"Ai. Saudade é uma coisa azul e amarga com carne por fora e espinho por dentro."
(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Para refletir


Tem umas coisas que a gente vai deixando,
vai deixando,
vai deixando de sere nem percebe.(Caio F. Abreu in “Os Dragões não Conhecem o paraíso.”)

foto: Mara Senna - Punta del Leste - Uruguai