sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Fábula



Foto: Mara Senna
 
Fábula
 


Era uma vez uma gata antiga
que tentava pegar um rato
do tipo com 'o rei na barriga'.
Cansada de correr atrás

de tanta mesquinharia,
a gata foi pra janela do mundo
espiar poesia.
Ao rato, deixou um beijo,
um pedaço de queijo
e um conselho de amiga:
'cuidado pra não ter dor de barriga...'

Mara Senna
 
Imagem: Planet Varth
 

Relíquia

 
 
Relíquia
 
Coisa mais antiga e  bonita:
cartas (de amor, quem sabe?)
amarradas com um cordão
ou um pedaço de fita.

Mara Senna

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Inveja

 
 Coisas que eu sei
 
Inveja
As más línguas adoram dizer
que o brilho da lua é emprestado.
Mas tudo bem.
Não é todo mundo que tem
o sol como namorado...

Mara Senna
em Luas Novas e Antigas 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Reticências - Mara Senna

 

Foto: Reticências

Quando era criança,
eu sempre colocava
mais de três pontinhos
nas reticências.
Foi inútil...
Tudo passou do mesmo jeito.

Mara Senna em Luas Novas e Antigas.

Ilustração: Toni Demuro - Pag Coisa que eu sei
Toni Demuro -  Página: Coisas que eu sei

 Reticências

Quando era criança,
eu sempre colocava
mais de três pontinhos
nas reticências.
Foi inútil...
Tudo passou do mesmo jeito.

Mara Senna
em Luas Novas e Antigas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Raul de Carvalho

 
1
Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

Raul de Carvalho 
(grande poeta português, 1920 -1984)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Soneto da Separação - Vinicius de Moraes

 
Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Alice Vieira

Pintura: Niki Sands

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero.
 
Alice Vieira
in O que dói as aves (Caminho, 2009) 

sábado, 6 de outubro de 2012

Millôr Fernandes.


Ilustração: Kelly Vivancos
 
Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.

Millôr Fernandes.
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Florbela Espanca

 
 
“Gosto das belas coisas claras e simples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas. Gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de beleza e de verdade. Porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me refletir, almas de sinceridade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.”

Florbela Espanca

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Crisálida - Mara Senna

 
Crisálida
Que me importa, neste momento,
ser lagarta
ou borboleta?
Só não quero que esqueçam
qual a forma da minha letra.

Mara Senna, 
poema do livro Ensaios da Tarde, 2012