segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Roseana Murray


Como se fosse fácil,
eu me divido em duas
e enquanto a metade fica
bordando invisíveis luares,
a outra, que também sou eu,
anda solta pelos mares.

E enquanto a metade fica
trançando o azul das tardes,
a outra, que também sou eu,
anda louca pelos ares.

 Roseana Murray
em Recados do corpo e da alma

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ferreira Gullar


"Você vai rir se lhe disser que estou cheio de flor e passarinho...
Que nada do que amei na vida se acabou: e mal consigo andar tanto isso pesa."

(Ferreira Gullar)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Eternamente Tom Jobim

Quase ia passando, mas hoje também é o dia do aniversário de Tom Jobim. Ele completaria 84 anos. 
E como não podia deixar de ser, foi instituído, nesta data, o Dia Nacional da Bossa Nova.
Deixo aqui o registro, a homenagem e a saudade  desse gênio da música.

São Paulo

Hoje é aniversário da cidade de São Paulo, comemorado no mesmo dia da conversão de seu padroreiro, São Paulo Apóstolo.
Paulo escreveu belíssimas cartas que fazem parte do Novo Testamento.
Acho este um dos seus mais belos versículos:

“A fé é o fundamento da esperança,
 é uma certeza a respeito do que não se vê.”

 (Carta de São Paulo aos Hebreusb 11, 1-2).

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A voz da noite - Helena Kolody

 A voz da noite

O sol se apaga..de mansinho..a sombra cresce.
A voz da noite...diz, baixinho:..esquece... esquece...

Helena Kolody

sábado, 22 de janeiro de 2011

Canção da escuta - Lya Luft

Canção da escuta

O sonho na prateleira
me olha com seu ar
de boneco quebrado.
Passo diante dele muitas vezes
e sorrimos um para o outro,
cúmplices de nossos desastres cotidianos.
Mas quando o pego no colo
(como às bonecas tão antigamente)
para avaliar se tem conserto
ou se ficará para sempre como está,
sinto sem estranheza
que dentro dele ainda bate
um pequeno tambor obstinado
e marca – timidamente –
um doce ritmo nos meus passos.

Lya Luft

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Leny Andrade

Ontem tive a rara oportunidade e o privilégio de assistir, no Sesc,  a um show de uma das nossa maiores intérpretes: Leny Andrade. Ela contou histórias e cantou as canções de Tom, Vinícius, Bôscoli, Menescal, Jonhny Alf e também boleros do seu primeiro disco em espanhol, Alma Mia. Aos 68 anos de idade, Leny está com agenda agitada. Além de cantar na esquina do jazz de New York, ela está com shows agendados em Paris, no Japão e vários outros países, para os próximos meses.
Aqui vai uma palhinha:

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

domingo, 16 de janeiro de 2011

Tagore


"Ninguém é eterno, Irmão,
e nada dura eternamente.
Guarda isso no teu coração
e sê contente."

Rabindranath Tagore
1861 -1941
poeta indiano
Prêmio Nobel de Literatura

sábado, 15 de janeiro de 2011

“Os brutos também amam”


“Os brutos também amam”

(Mara Senna)

Era uma destas tardes quentes e secas que tem feito ultimamente.
Eu estava sufocada pela poeira que teimava em penetrar pelas minhas narinas, meus poros e por que não dizer, pela minha alma. A fuligem da cana insistia em entrar, mesmo com portas e janelas fechadas, feito a tristeza quando pega a gente de jeito e entra por qualquer fresta.
Meu corpo estava letárgico e eu mais me sentia um daqueles habitantes do deserto. Só me faltava o camelo...
Naquela indolência, nada parecia me despertar e a única coisa a fazer, era ir até a janela procurar por algum sinal, ainda que remoto, da tão esperada chuva.
Foi quando eu avistei em meio a essa paisagem árida, no terreno baldio ao lado de casa, uma cena um tanto terna e inédita para os meus olhos de meia-idade: um casal de gaviões enamorado, ocupado em um verdadeiro idílio.
Que me perdoem se pareço tola, sei que gaviões acasalam-se, mas até então, eu confesso que já havia visto beija-flores namorando pelo ar, casais de pombinhos arrulhando e toda a sorte de passarinhos aos pares, em atitudes enlevadas; mas gaviões, nunca!
Para mim, o gavião sempre foi tão somente aquele pássaro com a cara amarrada, de ares um tanto militares, caçador ágil de presas indefesas. Até nas canções de infância eu aprendi a ter muito medo do gavião...
Por isso a surpresa, por isso o despertar deste sentimento de ternura que me invadiu ao vê-los assim, aves sempre tão vigilantes, ali, distraídos e vulneráveis como o são os amantes.
Talvez, nessa hora, estivesse suspirando aliviado algum rato desavisado ou algum passarinho desatento que ousou passar por ali. Até a coruja buraqueira, mãe zelosa, permitiu que seus filhotes pusessem as suas cabeças com olhos enormes para fora da toca, confiante que estava na distração amorosa do casal. Todos se sentiam momentaneamente protegidos por esta estranha magia que hipnotizava aqueles seres.
Eu atestava através daquele casal de gaviões, a veracidade do título de um antigo filme de faroeste e também de uma velha música que eu ouvia no rádio na minha infância: “Os brutos também amam”. A letra da música explicava: “No mundo triste de onde eu vim/ Nada disso tem valor/ Nele tudo se embrutece/ Mas o coração esquece/ Quando tem um grande amor.”
Aquele amor dos gaviões na aridez da tarde, realmente parecia desembrutecer tudo ao seu redor. E então eu pensei: não é assim também o amor entre os seres humanos, essa pausa em meio à dureza das coisas, um alento em meio à desolação do mundo?
Porém, para minha frustração, tal qual miragem no deserto, a delicada cena se desfez abruptamente. Uma vez garantida a preservação da espécie e findo o encantamento, os gaviões voltaram mais que depressa à sua missão de rapinar neste mundo. À cena de romance sucedeu-se uma cena de horror: num piscar de olhos, um dos gaviões (não sei se o macho ou a fêmea) já tinha em suas garras um dos filhotinhos desatentos da coruja, para desespero da mãe, que, entre assustada, furiosa e certamente arrependida do descuido, rapidamente ocultou os demais.
Senti muita compaixão do pobre bichinho... Meu coração enegreceu como a fuligem das queimadas. A tarde parecia ter ficado mais árida do que antes.
Fiquei um bom tempo olhando pela janela, sentindo muita raiva do gavião. Contudo, eis que me acorreu a letra de outra antiga canção, e esta dizia assim: “Eu sei que eu tenho um jeito/ meio estúpido de ser/... mas cada um/ tem o seu jeito/ todo próprio de amar /e de se defender...” Sim, aquele era “o jeito” do gavião.
Compreendi, afinal, que os brutos podem até amar, mas jamais vão negar a sua própria natureza.

Nota: esta minha crônica recebeu o terceiro lugar no II Concurso Literário de Crônicas da Academia de  Letras e  Artes de Ribeirão Preto  - ALARP, em 2010.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sophia de Mello Breyner Andresen

Sacode as nuvens

Sacode as nuvens que te pousam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Poema em antologia

Alegrias devem ser sempre compartilhadas. E por isso, quero dividir com vocês mais esta: recebi há pouco, no finalzinho do ano, a coletânea de poemas do Prêmio Sesc de Poesias Carlos Drummond de Andade, do SESC - DF.
 Fui uma dos 35 poetas selecionados de todo o Brasil , na edição do concurso de 2009.  O lançamento da antologia demorou um pouco mas valeu a pena esperar; o livro é lindo, super bem acabado e bem elaborado, como tudo o que o SESC faz. E o mais importante, a boa qualidade literária dos poemas selecionados por 09 jurados bem capacitados. Tudo isso me deixa ainda mais gratificada nessa árdua, mas prazerosa, caminhada de escritora.

capa do livro


mensagem

detalhe do livro

poema Bruma Seca
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

João Cabral de Melo Neto


Questão de Pontuação

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Mil e uma noites - Mara Senna


Mil e uma noites

Eu queria ter-te conhecido mil dias antes.
Eu queria ter-te amado mil anos depois.
Eu queria ter vivido
as mil e uma noites acordada.
Mas eu tenho este cansaço,
este sono que não me larga.
Este dormir para não pensar,
este sonhar para não sofrer.

Mara Senna
(do livro Luas Novas e Antigas)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Epifania - Mara Senna

Epifania

Hoje é dia de Santos Reis.
Ouro e incenso só a Ti pertencem.
Aceito compartilhar contigo a mirra.
Toda essa minha humanidade
que lateja.

Mara Senna

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Surreal

Gente, vejam que coisa louca. Pesquisando outro dia no Google, descobri na Polônia, um livro que leva o meu nome! Fiz a tradução e algumas frases soam meio estranhas  e algumas palavras não sairam na tradução,  mas parece ser um livro juvenil,  de aventuras. E Mara Senna deve ser o nome do herói.
capa do livro
Texto:
"É a história de um jovem estudante apaixonado por literatura e pela arte do período romântico, escrita sob a forma de uma carta a um desconhecido. Bela, misteriosa e estranha. Ora - leva a uma viagem de aventura ... a jornada é perigosa e incomum -  o herói pode perder a sua vida...
Você precisa ler este livro, se você já teve dúvidas se o mundo em que vivemos, é que  é realmente real? Você deve conhecer as aventuras do personagem principal, se, como ele, você conhece pessoas que você não hesitaria em chamar de criaturas.
Procurando emoções nas noites de outono? Você gosta da história, da qual seu coração começa a bater mais rápido? Você gosta de sonhar ...?

Boa noite ..."
Este livro leva você ao mundo dos contos de fadas, sonhos e fé no amor.
"(...) No início eu não pude acreditar nos meus olhos - Eu nunca vi por estas bandas, e certamente não em nossa propriedade, o lobo selvagem, e  com uma cor tão incomum. (...) O lobo rosnou ameaçadoramente, e eu balançava a cadeira, tentando afastar o ataque esperado pelo monstro, mas isso não ocorreu. Eu olhei em direção ao castelo - todas as luzes estavam apagadas, o que significava que ambos os convidados e os meus pais tinham ido dormir. Eu virei meu olhar em direção ao animal, que estava perto de mim, inevitavelmente, powarkując(?) e espalhar seus dentes longos e afiados. Seus olhos tinham uma cor amarelada..."

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Dica de Leitura - Um Exílio e um Reino

Em seu   romance de estreia, o escritor e também filósofo e historiador, Adhemir Marthins já demonstra  todo o seu talento ficcional, presenteando-nos com um livro de grande qualidade.
A história se passa no final da década de 1980 e início de 1990. Sophia é a personagem central, cujo enredo começa com um acidente que a levará a um coma profundo, porta de entrada para uma viagem para dentro de si mesma, de devaneios e reminiscências. Uma mulher sem preparo para enfrentar a realidade do cotidiano, pois passara a vida toda confinada entre sua casa e seu trabalho. Com a aposentadoria vem então o desejo de conhecer o mundo e se depara com realidades totalmente estranhas a ela. Vive um amor frustrado, um assalto violento, e outras situações que a deixam com medo da vida, das pessoas. Refugiando-se em seu apartamento e enclausurada descobre que a via de escape da solidão é a escrita. Como leitora assídua de biografias produz um livro de memórias, não para ser comercializado, mas para figurar ao lado dos autores que tanto aprecia. A surpresa vem diante de seus olhos quando descobre o seu livro publicado e distribuído em algumas livrarias de sua cidade. O choque é evidente. A fuga também. Na luta para não se deixar ver pelas pessoas se envolverá de forma misteriosa em um assassinato. O cenário de Sophia é a cidade de Curitiba, suas ruas e praças, onde tem um encontro discreto com o escritor paranaense Paulo Leminski. Um Exílio e Um Reino é um livro onde é possível refletir sobre a liberdade e sobre o absurdo do existir em meio ao caos da histeria contemporânea. Segundo o premiadíssimo escritor Menalton Braff, responsável pela orelha do livro: “desde a primeira página, o leitor pega carona entre as muitas reflexões e rememorações na mente de Sophia, de onde não mais sairá até o fim do romance”. A leitura desse livro, com certeza, é um convite à reflexão sobre a vida.
Para contato com  o autor visite o seu blog: http://ilhadasletras.blogspot.com/

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Lya Luft

Canção da estrela murmurante

Nós nos amaremos docemente
nesta luz, neste encanto, neste medo;
nós nos amaremos livremente
nos dias marcados pelos deuses;

nós nos amaremos com verdade
porque estas almas já se conheciam;
nós nos amaremos para sempre
em ilhas de invenção e realidade.

Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
Nós nos amaremos no teu tempo.

Lya Luft

domingo, 2 de janeiro de 2011


"Os meus rastros desfiz
tentativa infeliz de esquecer"

Caetano Veloso
 em Fera Ferida

sábado, 1 de janeiro de 2011

Uma bela mensagem para 2011 - Frei Betto

Para ti e para mim, um feliz ano-novo. Não mera troca numérica de calendário, de quem mantém o corpo inerte, preso às raízes da insensatez. Nem a sucessão de dias que se repetem no giro cíclico dos gregos antigos, desprovidos de senso histórico. Nem a multiplicação das rugas que se acumulam em nossos corações, oxidadas pela covardia e a saudade de não ser o que se é.
Anseio por um ano-novo capaz de reacender em nós energias generosas, consciência crítica, solidariedade discreta, afetos adormecidos, e a irrefreável vitalidade de quem reinventa o amor a cada dia. Um novo tempo de alegorias, no qual a poesia nos embriague a alma.
Um novo ano despido de soberbas, de evocações ególatras, de rancores asfixiantes e da indizível inveja causada pela felicidade alheia. Ano livre de rumores nefastos, incontinência da língua, indiferença à dor e exacerbação de tudo aquilo que, em nós, esculpe o perfil ácido da desumanidade.
Para ti e para mim desejo um ano-novo em que cada manhã ressoe como o cantar de laudes sob o esplendor de uma revoada de pássaros. E que sejamos despertados pelo afago prenhe de alvíssaras. Sejam os nossos gestos expressões litúrgicas de bem-querer e gratidões.
Não desejo um novo ano de velhos vícios arraigados, como não considerar suficiente o necessário, acumular supérfluos nas gavetas da casa e do coração ou a leniência perante as injustiças. Nenhum ano pode ser novo se arrastamos vida afora nossas almas incendiadas pela ira, o humor de mãos dadas com o rancor, o orgulho como escudo frente aos que apontam nossos erros.
Quero, para ti e para mim, um ano-novo em que a partilha do pão instaure a paz e no qual toda paixão aflore em duradouro amor. Um ano no qual o tempo se desenlace como um tecido fino e transparente, a enlevar-nos na rota do transcendente. Ano de silente contemplação do milagre da criação e cuidadosa proteção da mãe natureza.
Faço votos de que em 2011 a cegueira apague nossas fúteis ilusões e que brotos de saudáveis quimeras palmilhem a estrada que conduz ao mais íntimo de nós mesmos. Seja para nós um ano de muita fortuna, inflado de projetos promissores, destituído de mesquinharias e perjúrios.
Ano bom é o que traz efervescência espiritual, o vinho a inebriar-nos do sagrado, a alma tecida de alegrias inefáveis, os passos movidos pela vontade alada, o vigor juvenil de quem não encara a velhice como doença. Ano de reavivar antigas amizades, libertar-se dos apegos vorazes, trocar a tagarelice pelo aconchego reflexivo dos livros e deixar a música inundar nossos mais recônditos sentimentos.
Ano-novo é o que transfigura nossas mais secretas intenções e projeta luz nas veredas escavadas por cada uma de nossas positivas atitudes. Assim, haverão de cair as escamas de nossos olhos, os ouvidos acolherão a melodia sideral, o perfume do otimismo nos inebriará, e de nossos lábios brotarão cânticos de aleluia.
Para ti e para mim seja o ano de 2011 ninho de férteis esperanças e senda primaveril rumo a outros mundos possíveis. À mesa, a gratuidade inconsútil; à porta, nossas resistências desarmadas; à sala, um rumor de anjos. E seja toda a casa reduto de sabores e saberes agradáveis ao paladar e à inteligência.
Seja novo, para ti e para mim, o ano entrante, não por reiniciar a sucessão de meses, semanas e dias, e sim por revitalizar nossos bons propósitos, livrar-nos da letargia frente aos desafios espelhados na utopia e arrancar de nosso âmago toda erva daninha semeada por ambições desmedidas.
Novo por incutir em nós a modéstia translúcida de avós afetuosas, o fervor espiritual dos místicos, a exuberância dos bailarinos a multiplicarem as potencialidades do corpo. Ano de romper barreiras do preconceito, derrubar cercas da ganância, fertilizar com sementes altruístas o chão no qual pisamos.
Para ti e para mim, um feliz ano-novo no qual a vida seja diariamente celebrada como dom de Deus, dádiva amorosa, encantadora aventura.
Ao longo deste ano esteja sempre presente, em nossas mentes e em nosso agir, que viver é muito perigoso.
  Frei Betto