quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Sempre é tempo de Ano Novo... - Mara Senna


Ano Novo é tempo que começa no coração.
Não precisa ser no primeiro dia do ano...
É quando a gente acorda e decide que quer viver
da melhor maneira possível,
incluindo aí a certeza de que nem sempre
as coisas vão sair como se tinha imaginado.
 Às vezes, fica difícil realizar a proposta.
Sim, porque tentar a gente tenta...
e muitas vezes esbarramos em nós mesmos.
Ano Novo é o tempo em que se constata
que dentro de nós habitam o humano imperfeito
e o Divino perfeito, convivendo e se tolerando.
O erro anda de mãos dadas com o perdão.
A desesperança abraça a esperança,
a tristeza a abraça a alegria,
a realidade abraça o sonho.
Se o corpo está doente, pede saúde,
se a alma está pesada, pede leveza.
Todo mundo, no fundo, só quer amar e ser amado.
A felicidade é sempre um estado a se almejar.
Alcançá-la de todo, ultrapassa a nossa capacidade.
Mas só o desejo de ser feliz nos move
e nos faz desejar um Feliz Ano Novo,
seja ele em que data for.

Mara Senna

A todos vocês, amigos aqui do blog,
Feliz Ano Novo, sempre!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Surpreendente - Mara Senna

Surpreendente

 Quando chega o final do ano,
tem algo que não deixa
de ser engraçado:
ninguém quer
que o futuro chegue
com a mesma cara do passado.
Mas se de repente
ele chega surpreendente,
fora do combinado,
coitado!
Logo querem que ele vire
passado,
mal aproveitam o presente.
 E passam a sonhar,
de novo,
 com um futuro diferente...

Mara Senna

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um poema de Natal - Mara Senna

Um poema da Natal

Se a data é bonita,
se o clima é de presentes,
por que insistem em doer em mim
as ausências?
Ah, danado de coração humano...
que quer o que não tem,
sofre pelo que não pode mais ter,
sem se dar conta de que,
no fundo,
jamais perde aquilo que amou de verdade.
Ah, danado de coração humano...
sempre faminto do alimento
que não tem,
sempre insatisfeito com o muito que ainda lhe sobra.
Ah, danado de coração humano...
que pensa ser dono de tudo
e não se dá conta de que tudo lhe é emprestado.
Sem se dar conta de que lhe é oferecida,
de bandeja,
a Eternidade.

Mara Senna

Feliz Natal, amigos!

A todos vocês que acompanham o blog,
desejo um lindo Natal, pleno de paz.
Abraços
Mara Senna

Clique White Christmas com Andrea Bocelli:

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Carpinejar


"Olho o céu com paciência. O azul não me cansa.
 Uma ave voando não significa que está partindo.
Uma ave voando pode estar regressando..."

Fabrício Carpinejar

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Inédito

Foto: Carmen Fanganiello

Chega uma hora em que perdoar
nem é assim tão complicado...
Eu quero é a mágica de esquecer.

Mara Senna
(trecho de poema do meu proximo livro)



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Traduzir-se - Ferreira Gullar

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
... fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar

in Na Vertigem do Dia (1975-1980)

domingo, 11 de dezembro de 2011

Sobre milhos, pamonhas e curaus

Sobre milhos, pamonhas e mingaus

O milho verde cozinhando na panela, o cheiro se espalhando pela casa e a minhas lembranças todas vindo à tona.
 Lembranças da época em que as pessoas colhiam os milhos em seus quintais, nas fazendas ou nos terrenos desocupados da cidade. As espigas eram bonitas, as colheitas fartas e as promessas de sabores eram irresistíveis.
Além da certeza de comer as espigas bem quentinhas com sal, queijo ou manteiga no fim da tarde, havia o prazer de ver as avós, as mães e as tias, diligentes, a fazer a pamonha e o 'mingau' (que é como se chama o curau em Minas Gerais); os quais também seriam devorados com mais prazer ainda. ...
Eram utilizados litros e mais litros de leite vindos da fazenda. Dava muito trabalho. Ralar o milho, coar, embrulhar as pamonhas... Deixar o curau esfriar, jogar a canela por cima. O aviso para não comer quente porque dava dor de barriga...
Era um ritual; um ritual que se perdeu no tempo, assim como se perderam esses cheiros e sabores da infância. Não que hoje não existam mais essas coisas; posso comprar milhos, pamonhas e mingaus (ou 'curau' na língua dos paulistas)na feira toda a semana.
O que não posso comprar é a solução para toda essa saudade que bate forte, aqui, bem dentro de mim. Saudade que faz encher a boca e os olhos de água.
.

Mara Senna

Clarice - Mara Senna

Clarice

Perdi a hora da estrela.
Enrolo-me nas cobertas,
choro,
grito abafado.
Quando enfim me levanto,
tenho um ar meio duro.
É que tenho que prosseguir
comendo
a minha maçã
no escuro.

Mara Senna

em homenagem ao dia de Clarice - 10 de dezembro

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Banho de chuva - Mara Senna

Banho de Chuva

Fazia tempo que eu não sabia mais o que era tomar um bom banho de chuva.
Depois deste dia calorento da minha cidade, acabo de relembrar essa deliciosa sensação. 
Passei de espectadora a protagonista dessa cena magistral que é a de uma pessoa se encharcando na chuva.
Deixei de ver apenas dois limpadores de pára-brisas entediantes desembaçando a minha visão, pessoas correndo à frente do meu carro e passei a sentir todos os efeitos especiais de alguém que é apanhado de surpresa pela famoso 'pé d'agua'.
 Na verdade, já havia chovido antes e já havia parado. Por isso, depois de sair da missa das seis, resolvi cair na tentação de ir, a pé, comprar um maravilhoso bolo de fubá com queijo. Quer coisa melhor para um tempo de chuva do que bolo de fubá com café passado na hora? Quem é mineiro sabe...
Foi aí que a danada da chuva me pegou, com bolo na mão e tudo... E eu, sem ter para onde correr, resolvi não correr. E fui andando calmamente debaixo de chuva de vestido, sandália e cabelos recém-lavados. Confesso que foi muito bom, sensação de alma lavada. Entrei no meu carro parado a alguns quarteirões dali, pingando felicidade, daquelas de quem fez uma travessura que queria fazer há muito tempo.
Ainda tive ânimo, mesmo encharcada, de parar no supermercado logo à frente e fazer umas comprinhas.
E foi lá que eu fechei, com chave de ouro, a minha aventura pluvial, quando o mocinho que empacotava as compras olhou para mim e disse: 'Dona, a senhora tomou chuva? Será que estragou a chapinha?' Bom demais...
Mara Senna

Companhia - Mara Senna

Minha maltês fica aqui ao meu lado enquanto escrevo.
Sua presença é silenciosa, afetuosa, gratuita e respeitosa. De vez em quando me olha com seus grandes olhos de jabuticaba como se dissesse: estou aqui, caso precise de mim. Mas, se o tempo fecha, se a chuva ameaça, é ela quem me pede colo e proteção, sem vergonha de demonstrar fraqueza; morre de medo de tempestades. Passa de guardiã a protegida, em um pulo.
Tento aprender esta sua capacidade de estar junto sem invadir, de amar incondicionalmente, de não ter vergonha de demonstrar o medo, de saber acolher e ser acolhida. Quem tem um animal, tem lições diárias de ternura.
E o que fizemos da nossa?

Mara Senna

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Rabindranath Tagore


Que a minha prece seja,
não para ser protegido dos perigos,
mas para não ter medo de enfrentá-los.

Que a minha prece seja,
não para acalmar a dor,
mas para que o coração a conquiste.

Permita que na batalha da vida
não procure aliados,
mas as minhas próprias forças.

Permita que não implore no meu medo,
ansioso por ser salvo,
mas que aguarde a paciência para
conquistar a minha liberdade.

Rabindranath Tagore

domingo, 4 de dezembro de 2011

Roupa de Domingo - Mara Senna

Roupa de Domingo

Minha roupa de domingo
é um espírito aberto e desnudo,
o corpo descoberto
e o pensamento despido de quase tudo.

Mara Senna

sábado, 3 de dezembro de 2011

Possibilidades - Wislawa Szymborka

POSSIBILIDADES

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
de ser ter sua razão.


Wislawa Szymborka,
in Poemas,
tradução de Regina Przybycien, Companhia das Letras;
extraído do blog de Roseana Murrray

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Tecendo a Manhã - João Cabral de Melo Neto -


Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Poemas de Dezembro - Drummond



"Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção."

Carlos Drummond de Andrade
(Dezembro de 1968)