terça-feira, 29 de setembro de 2009

FLORA FIGUEIREDO

 A primavera em Ribeirão chegou juntinho com a poesia. O Serão Literário deste mês de setembro, realizado dia 24/9 no Templo da Cidadania, trouxe uma convidada muito especial: Flora Figueiredo. Poeta, cronista e tradutora paulista, ela é autora de Florescência (1987), Calça de verão (1989) e Amor a céu aberto (1992), Estações(1995) e Chão de Vento (2006)
"Rima, ritmo e bom humor são características da sua poesia.
Flora deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida".
Foi uma noite muito agradável em que Flora declamou vários de seus poemas. Tentei selecionar só um para colocar aqui no blog, mas são tantos os que eu gosto, que não consegui; por isso aí vão logo três:


 Expectativa


O vento anda ficando mentiroso.
Prometeu trazer você - não trouxe.
Ficou de dizer o porquê, não disse.
Esperou que eu me distraísse,
passou depressa, rumo ao horizonte.
Já não tem importância
que cometa outra vez,
um ato de inconstância.
Aprendi a esperar.
Se ventos são capazes de levar embora,
a qualquer hora,
também,são capazes de fazer voltar.
(Flora Figueiredo)



Lembrete


Não deixe portas entreabertas.
 Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.




Grafite

Não seremos marido e mulher,
nem mesmo amantes.
Que tal apenas namorados intermitentes,
docemente nos amando, intinerantes?
Trocaremos afagos, quando o dia adormecer,
na encruzilhada;
deixarei em você meus cheiros de mulher.
Lançaremos olhares disfarçados,
que certamente passarão despercebidos,
pois namorados são de Deus os protegidos.
Quando nossas mãos roçarem-se furtivas,
vão insinuar desejos abafados,
pelas regras da vida censurados,
mas que sãos flores no canteiro, sempre - vivas.
Ao nos encontrarmos pela tarde rua acima,
lá onde a mangueira domina a rotatória,
assinarei um verso sublimado
a grafitar nossa parede divisória.
(Flora Figueiredo)

domingo, 27 de setembro de 2009

Dica de cinema - Amantes (Two Lovers)

Ontem fui assitir ao filme Amantes (Two Lovers), de James Gray e gostei bastante. É um drama romântico no qual Joaquin Phoenix(em interpretação de alto nível), é Leonard, um jovem atraente mas perturbado pela doença: Leonard é bipolar e volta à casa dos pais depois de uma tentativa de suicídio. Leonard é de uma família judia dona de uma lavanderia, que mora no bairro de Brighton Beach, nos subúrbios de Nova York. Leonard conhece, quase ao mesmo tempo, duas mulheres: Sandra (Vanessa Shaw), filha de uma família judia amiga e futura sócia da sua e a vizinha Michelle (Gwyneth Paltrow). Michelle mudou-se para o prédio de Leonard e, à medida que o filme decorre, revela seu lado problemático. Michelle é exótica e, imediatamente deslumbra Leonard. Sandra é doce, protetora, adequada e conveniente. Obrigado a tomar uma decisão, Leonard escolhe,  mas as casualidades o levam a ficar  com o que precisa e não com o que deseja...
 A mãe de Leonard, Ruth (Isabella Rossellini), é dividida entre o desejo de proteger o filho a todo custo (quase como se o amasse secretamente como homem, e não como filho) e a realização de vê-lo feliz, mesmo que longe dela. Isabella Rossellini  nesse filme, é um ímã do olhar em cada um dos poucos minutos em que aparece na tela, expressando sensualidade e maternidade ao mesmo tempo. Perfeita.
Essa é a terceira colaboração entre Joaquin e Gray - eles trabalharam juntos em Caminho Sem Volta, de 2000 e em Os Donos da Noite, lançado no ano passado.
De uma forte intensidade dramática, e afirmando-se desde o início longe do registo das comédias românticas, Two Lovers foi exibido no Festival de Cannes de 2008, ganhando elogios da crítica estrangeira.

sábado, 19 de setembro de 2009

Poesia numa hora dessas? - Luís Fernando Verísssimo


Quem esteve ontem em Ribeirão, participando do Café com Letras da Fundação Feira do Livro, foi Luís Fernando Veríssimo com o seu humor inteligente, um pouco de timidez e muita simpatia.
Além do bate-papo, ele se apresentou tocando com sua banda de jazz. Ele disse que a música lhe dá mais prazer do que a literatura.
Hoje em dia,  há vários textos falsos circulando na internet que são atribuídos a Veríssimo mas, ele mesmo diz que não há como controlar isso e conta que já viveu situações engraçadas e embaraçosas por esse motivo; leitores protestando sobre coisas que nem foi ele que escreveu ou até elogiando o texto que não é dele. Ele disse que a maioria dos tais textos falsos são assinados por Luiz com Z e não com S, que é o certo.
Um faceta pouco conhecida de L.F. Veríssimo é a de poeta. Ele tem um livro intitulado Poesia numa hora dessas?
Aqui vai então, um poema do Veríssimo:

Tu e Eu

de Luís Fernando Veríssimo



Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu,lipa
Eu,calipto.



Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.



És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.



Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.



És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.



Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Saramago


"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome.
Essa coisa é o que somos" 
José Saramago/ Ensaio sobre a Cegueira

sábado, 12 de setembro de 2009

William Shakespeare - Soneto 76


Soneto 76
William Shakespeare


Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?
Por que só escrevo esta monotonia,
Tão incapaz de produzir inventos
Que cada verso quase denuncia
Meu nome e seu lugar de nascimento?
Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor - são meus únicos temas,
E assim vou refazendo o que foi feito
Reinventando as palavras do poema.
Como o sol, novo e velho a cada dia,
Meu coração rediz o que dizia.

(Tradução: Geraldo Carneiro)
 
 
 
 
SONNET 76


 Why is my verse so barren of new pride,
So far from variation or quick change?
Why with the time do I not glance aside
To new-found methods and to compounds strange?
Why write I still all one, ever the same,
And keep invention in a noted weed,
That every word doth almost tell my name,
Showing their birth and where they did proceed?
O, know, sweet love, I always write of you,
And you and love are still my argument;
So all my best is dressing old words new,
Spending again what is already spent:
For as the sun is daily new and old,
So is my love still telling what is told.

   

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ausência

Há uma semana atrás, este meu querido amigo aí da foto, o Lazinho, foi para o andar de cima, encantou-se, como diria Guimarães Rosa. Uma pessoa tão especial que eu fiquei me perguntando como lidar com a imensa falta que ele vai fazer.
E foi neste poema de Drummond que eu encontrei a melhor resposta.

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Despedida - Cecília Meireles



Despedida

Cecília Meireles


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão. -
Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Ampulheta - Mara Senna

Ontem foi lançada oficialmente uma antologia dos autores de Ribeirão Preto intitulada Frutos da Terra- Expressões Culturais de Ribeirão Preto, da qual eu participo com quatro poemas dos quais, três, já foram publicados aqui no blog: Leve, Avesso e Tarde de Chuva, que estão nas postagens de fevereiro e março.


Além ,desses também o poema abaixo, que faz parte do meu livro.
Espero que gostem.


 Ampulheta

De vez em quando,
desencontro.
Desencontro sempre,
desencanto.
Quando tudo é lento,
desalento.
Caracol confuso.
Devagar desce a areia do tempo
.
(todos os direitos reservados/ all rights reserved)