sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Serão Literário - Carlos Herculano Lopes

O Serão Literário deste mês contou com a a presença muito simpática e mineirissima do jornalista , romancista, contista e cronista Carlos Herculando Lopes. Atualmente ele escreve no Caderno Cultural do Jornal Estado de Minas. O encontro foi uma deliciosa conversa, em que Carlos Herculano contou muitas 'causos' da sua mineirice desde os tempos em quem morava em Coluna  no Vale do Rio Doce até Belo Horizonte, onde vive.
Premiado, autor de doze livros, entre eles quatro romances, teve dois deles, Sombras de Julho e O Vestido, adaptados para o cinema pelos diretores Marco Altberg e  Paulo Thiago.
 O Vestido foi  baseado no poema Caso do Vestido de Carlos Drummond de Andrade, o qual trancrevo agora.

Caso do Vestido

Carlos Drummond de Andrade

Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.

Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.

O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.

Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.

Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,

chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,

me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.

Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.

Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes,
não comia, não falava,

tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.

Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,

última peça de luxo
que guardei como lembrança

daquele dia de cobra,
da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado
confessou que só gostava

de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito

de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,

mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,

põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,

comia meio de lado
e nem estava mais velho.

O barulho da comida
na boca, me acalentava,


me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.


Texto extraído do livro "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Fernando Pessoa - Eu amo tudo

Eu amo tudo
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje já é outro dia.

Fernando Pessoa


domingo, 25 de outubro de 2009

Você é meu convidado - Lançamento Luas Novas e Antigas

Convido  todos os amigos do blog para  o lançamento do meu livro em São Paulo - SP:

“Luas Novas e Antigas" livro que marca oficialmente a estreia da poeta mineira Mara Senna, será lançado no dia 24 de novembro (terça-feira), na Livraria da Vila, de Pinheiros, em São Paulo, em evento que contará, além da presença da autora, com leitura de seus poemas pelos atores Paula Picarelli (atriz e apresentadora do programa Entrelinhas, da TV Cultura), Georgette Fadel (Prêmio Shell 2006), os veteranos Gero Camilo e Luciano Chirolli, além da presença das cantoras Na Ozzetti, Olivia Byington, Cristina Buarque e Alaíde Costa, e da histórica atriz Vera Barreto Leite (dos filmes de Malle, modelo de Chanell e atualmente principal ícone do teatro Oficina). Músicos completam a festa de lançamento, com o piano de Gustavo Sarzi, o violão de Junior Pitta e o clarinete de Diogo Maia. A direção artística é de Heron Coelho.


SERVIÇO:


Quando: dia 24 de Novembro, às 20hs.
Onde: Livraria da Vila - Rua Fradique Coutinho, 915, Pinheiros /
(fone) 11-3814-5811.
Classificação: livre



quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Clarice Lispector


"Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
A salvação é pelo risco,
Sem o qual a vida não vale a pena!!!"

Clarice Lispector


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Hoje é o Dia da Poesia!

Hoje, 20 de outrubro comemora-se o Dia da Poesia. Que tal celebrarmos com  pitadas de Quintana?

Viver-Escrever


"O poema,
essa estranha máscara,
mais verdadeira do que a própria face..."

"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!"

(Mário Quintana)


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Como um rio - Thiago de Mello


Como um rio

Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho
para a esperança.


E de lavar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva,
e lava.


Crescer para entregar
na distância calada
um poder de canção,
como o rio decifra
o segredo do chão.


Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.

E até mesmo sumir,
para, subterrâneo,
aprender a voltar
e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.


Como um rio, aceitar
essas súbitas ondas
de águas impuras
que afloram a escondida
verdade nas funduras.


Como um rio, que nasce
de outros, saber seguir,
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.
Como um rio.


Thiago de Mello


Mais sobre Thiago de Mello em

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ouvir estrelas - Olavo Bilac




Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

(Olavo Bilac)


domingo, 11 de outubro de 2009

Desencontrários - Paulo Leminsky

Desencontrários


 Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.



Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.



Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.



Nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé
certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé.




Paulo Leminsky
(1944-1989)
Mais sobre Paulo Leminski em http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Leminski

sábado, 10 de outubro de 2009

Aniversário do Theatro Pedro II



O aniversário de 79 anos do magnífico Theatro Pedro II de Ribeirão Preto foi comemorado dia 08/10 com um show memorável do cantor Agnaldo Rayol (completando 52 anos de carreira), acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto regida pelo maestro Cláudio Cruz. Confesso a vocês que nunca fui uma grande fã do Agnaldo Rayol, a quem sempre coloquei na categoria de cantor cafona ou brega, apesar de sempre reconhecer sua belíssima voz de tenor. Mas tenho que admitir que saí do show completamente embasbacada ao ouvir sua voz ao vivo, sua interpretação, presença de palco, gentileza, carisma...é um artista completo! Poucas vezes vi alguém ser tão aplaudido no Pedro II como ele foi. Merecidamente. Ele cantou desde seus hits antigos com A Praia(que ouvi quando criança em um disco de papelão, brinde da Kolynos), seus temas de novela (Gioconda, Tormento D'Amore), Fascinação, boleros, até Pixinguinha,  Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Gonzaguinha, Renato Teixeira (Sou caipira, pirapora...) e claro,  Ave Maria. Parabéns, Agnaldo,  pelos 52 anos de carreira!  Parabéns ao Pedro II!

domingo, 4 de outubro de 2009

Do tempo e da flor - Mara Senna


Do tempo e da flor

Mara Senna

Não posso mais escrever sobre flores...
A primavera já chegou tão plena,
que se tornaram débeis todas as palavras.
Ei-la, que se abram as janelas!
Ou não, se assim o desejarem...
Abrindo-as, há quem veja a flor,
há quem observe o movimento da borboleta;
há quem mire a pedra,
há quem aviste o lagarto imóvel em cima da pedra.
Há quem olha e nada vê.
O tempo da flor é fugaz.
O tempo do homem é um sopro.
Cada um escolhe o que quer enxergar
e as janelas que deseja abrir.


Este poema foi publicado no Jornal da AORP em outubro de 2008 - todos os direitos reservados