Com licença poética demais da conta
Quando eu nasci um anjinho barroco,
daqueles do Aleijadinho
me disse:
'vais ser mineira e poeta,
mas antes serás Tiradentes,
até que estejas pronta
para carregar a bandeira da poesia.'
Despenquei das alturas de Minas,
atravessei a ponte do Rio Grande,
mas trouxe comigo esse sotaque
e uma nesga de sol nascente
para que me lembre de que vim
do planalto dos Araxás,
lugar de onde primeiro se avista o sol.
Casei-me com um mineiro bom,
e hora sim, hora não,
conheci a dor das mulheres sem-parto.
Continuo achando o Rio de Janeiro
uma beleza,
mas cumpro a sina dos canaviais.
Meus livros são minha linhagem,
a minha escrita, o meu reino.
Fora isso, não quero fundar mais nada.
Ser mineira e ser poeta
para mim,
não é maldição.
É ser ao mesmo tempo
gauche e droite.
É ser duplamente abençoada.
Eu sou.
Mara Senna
livre adaptação, com todo respeito,
do poema 'Com Licença Poética' de Adélia Prado.