quarta-feira, 24 de junho de 2009

Carlos Heitor Cony - Mila

Ontem, tive o prazer e o privilégio de conhecer Carlos Heitor Cony e sua esposa Beatriz, que vieram para a Feira do Livro de Ribeirão Preto. Fui buscá-los no aeroporto.
É maravilhoso quando além de ser fã do escritor, você fica fã da pessoa. Cony é daquelas pessoas que irradiam cordialidade, simpatia; sabedoria, ; sua simplicidade encanta. Eu acredito que aqueles que são muito bons no que fazem, dificilmente têm alguma arrogância, pois não precisam provar nada para ninguém.
Transcrevo aqui mais um belíssimo texto de Cony sobre um dos grandes amores de sua vida: sua cachorra Mila. Desfrutem!


Mila 04/06/1995
RIO DE JANEIRO - Era pouco maior do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás. E, como eu não tinha muito jeito, enconstei-a ao peito para que ela não caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela também. Dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me profundamente: escolheu-me para dono. Pior: me aceitou. Foram 13 anos de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?
Amá-la — foi a resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu a minha festa, não queria disputar espaço, ser maior do que a minha tristeza.
Tendo-a a meu lado, eu perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque passamos a ser três. E passeavamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu "fumos fidalgos", como o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Saba numa liteira inundada de sol e transportada por súditos imaginários.
No sábado, olhando-me nos olhos, com seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha compreendido. Bem maior do que minha mão, bem maior do que o meu peito, levei-a até o fim. Eu me considerava um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a crônica para ficar com ela.
Até o último momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a, em meus braços, apoiada em meu peito. Apertei-a com força, sabendo que ela seria maior do que a saudade.

Um comentário:

  1. Mara,
    concerteza ficar fã de uma pessoa é maravilhoso.
    Bem, fico feliz por você por ter conhecido um dos escritores que sempre admirou. Isso é realmente ÓTIMO!
    Bem, nunca antes tinha ouvido falar desse escritor, mas ele realmente me fascinou com esse único texto que você postou. Vou procurar mais coisas sobre ele.

    E não deixo de escrever aqui uma palavra que você realmente merece: PARABÉNS!

    Beijos,
    Nayara K.

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