quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

As cores da tarde

As cores da tarde

Toda tarde sabe que morre no poente.
Toda tarde tenta ser diferente.
Não guarda em si os mistérios da noite
nem a esperança da manhã.
Não é vizinha do ontem
nem precede o amanhã.
Para não ser esquecida,
vai deixando em tudo
seus fulgores,
seus vestígios de fogo,
sua fugaz incandescência,
suas tardias digitais.
Precisa ser,
antes que seja tarde demais.
É preciso desmanchar-se
até o poente
para decifrar as suas cores,
a sua doce amargura,
o seu suave martírio,
a sua apoteose
de agonia e delírio.
Toda tarde esconde,
em sua beleza,
uma ferida.
A tarde dói
em tons
de despedida.

Mara Senna, do livro Ensaios da Tarde
Foto: Luís Avelima
 
As cores da tarde
Toda tarde sabe que morre no poente.
Toda tarde tenta ser diferente.
Não guarda em si os mistérios da noite
nem a esperança da manhã.
Não é vizinha do ontem
nem precede o amanhã.
Para não ser esquecida,
vai deixando em tudo
seus fulgores,
seus vestígios de fogo,
sua fugaz incandescência,
suas tardias digitais.
Precisa ser,
antes que seja tarde demais.
É preciso desmanchar-se
até o poente
para decifrar as suas cores,
a sua doce amargura,
o seu suave martírio,
a sua apoteose
de agonia e delírio.
Toda tarde esconde,
em sua beleza,
uma ferida.
A tarde dói
em tons
de despedida.

Mara Senna,
do livro Ensaios da Tarde

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Feliz Natal! Feliz 2013!



 
A você,

que nesse ano prestigiou o blog, quero agradecer e desejar que o Natal não seja apenas um dia, mas um constante espírito de fraternidade,
porque, como disse o poeta:
"Pois de amor andamos todos precisados! Em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente! Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando." Carlos Drummond de Andrade

Que 2013 seja ainda mais cheio de poesia, de paz e de boas histórias para contar.
Abraços,
Mara Senna
 

domingo, 9 de dezembro de 2012

Madrugada

 
 

Foto: Madrugada

A madrugada é feito um óleo
que se derrama lento pelas saias da noite.
Nela procuram refúgio os insones,
os amantes, os poetas, os vigilantes.
Escorre silenciosa,
porém, às vezes cortada por um grito,
um gemido de prazer, um choro,
o latido do cão do vizinho,
o barulho do gato vira- lata,
o apito do guarda
ou por alguém que passa assobiando
debaixo da janela,
querendo plateia ou talvez companhia.
E quando, finalmente, o canto de um galo
vai avisando-lhe seu fim,
a madrugada se esvai, assim como veio,
suave e despretensiosa,
sutil e misteriosa,
deixando para trás algumas estrelas,
como garantia de voltar.

Mara Senna no livro Luas Novas e Antigas.
 

Madrugada

A madrugada é feito um óleo
que se derrama lento pelas saias da noite.
Nela procuram refúgio os insones,
os amantes, os poetas, os vigilantes.
Escorre silenciosa,
porém, às vezes cortada por um grito,
um gemido de prazer, um choro,
o latido do cão do vizinho,
o barulho do gato vira- lata,
o apito do guarda

ou por alguém que passa assobiando
debaixo da janela,
querendo plateia ou talvez companhia.
E quando, finalmente, o canto de um galo
vai avisando-lhe seu fim,
a madrugada se esvai, assim como veio,
suave e despretensiosa,
sutil e misteriosa,
deixando para trás algumas estrelas,
como garantia de voltar.

Mara Senna
no livro Luas Novas e Antigas.

 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Pouso

 
Foto: Pouso

Os verdadeiros amores nunca morrem,
 as vontades é que se acabam.
Os amores ficam vagando no ar,
procurando uma nova vontade,
onde possam
aterrissar.

Mara Senna, no livro Ensaios da Tarde.

Pouso
 
Os verdadeiros amores nunca morrem,
as vontades é que se acabam.
Os amores ficam vagando no ar,
procurando uma nova vontade,
onde possam
aterrissar.

Mara Senna,
no livro Ensaios da Tarde
 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Saudade

 

Foto: Saudade

A saudade mora 
nestas caixas de guardados,
cheirando a naftalina,
entulhadas de vestidos 
de noiva e de formatura
que não servem mais na cintura.
Alimenta-se de restos, de vestígios
e de flores de sepultura.
Nunca é feliz: chora nos aniversários,
no Natal e no Ano Novo.
Vive fazendo perguntas sem respostas,
anda longas distâncias à procura de nada
e faz viagens imaginárias sem rumo algum.
A dor da saudade dói,
aguda ou crônica,
intermitente ou pulsante,
subliminar, quase anestesiada.
Mas dói.

Mara Senna no livro Luas Novas e Antigas

Ilustração: Duy Huynh
Ilustração: Duy Huynh

Saudade

A saudade mora
nestas caixas de guardados,
cheirando a naftalina,
entulhadas de vestidos
de noiva e de formatura
que não servem mais na cintura.
Alimenta-se de restos, de vestígios
e de flores de sepultura.
Nunca é feliz: chora nos aniversários,
no Natal e no Ano Novo.
Vive fazendo perguntas sem respostas,
anda longas distâncias à procura de nada
e faz viagens imaginárias sem rumo algum.
A dor da saudade dói,
aguda ou crônica,
intermitente ou pulsante,
subliminar, quase anestesiada.
Mas dói.

Mara Senna
 no livro Luas Novas e Antigas


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dezembro

 
 
Dezembro vem chegando ao seu posto.
Vem assim, meio de soslaio.
Nem ele mesmo acredita:
o ano passou como um raio!

Mara Senna

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

sábado, 24 de novembro de 2012

Fábula infame

 

Foto: Fábula infame

Era muito indeciso o tal esquilo;
nunca sabia se queria isto ou aquilo.
Mas não tinha pena de 'noz'...

Mara Senna

(foto minha: ele ficou posando para mim, que bonitinho!)

Fábula infame

Era muito indeciso o tal esquilo;
nunca sabia se queria isto ou aquilo.
Mas não tinha pena de 'noz'...
 
Mara Senna
(foto minha)

Sala de Espera

 
 
Sala de Espera
 
Escrevo poemas na sala de espera.
Poemas sobre paciência ...
Já li todas as revistas antigas,
e seus dramas e alegrias já estão ultrapassados.
Passam as capas de revistas,
a vida passa...
Só nao passa aqui, nesta sala de espera.
O tédio é o meu único remédio.

Mara Senna

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Espera



Foto: Te espero...
Foto: Carmen Fanganiello

Espera
 
Não adianta olhar para o mar...
Há anos neste porto não atraca
nenhum navio.
A espera é em vão.
Mas, se quiser esperar, espere.
Não posso proibir os sonhos
nem impedir os loucos
que ainda neles acreditam.
Vai que um dia chega um navio,
com que cara eu fico?

Mara Senna
 em Luas Novas e Antigas

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Simplesmente amor - Adélia Prado

 

 
Simplesmente amor
 
Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele falo palavras como lanças

Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele podem entalhar-me:
Sou de pedra sabão.

Alegre ou triste
Amor é a coisa que mais quero.

Adélia Prado
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Fábula



Foto: Mara Senna
 
Fábula
 


Era uma vez uma gata antiga
que tentava pegar um rato
do tipo com 'o rei na barriga'.
Cansada de correr atrás

de tanta mesquinharia,
a gata foi pra janela do mundo
espiar poesia.
Ao rato, deixou um beijo,
um pedaço de queijo
e um conselho de amiga:
'cuidado pra não ter dor de barriga...'

Mara Senna
 
Imagem: Planet Varth
 

Relíquia

 
 
Relíquia
 
Coisa mais antiga e  bonita:
cartas (de amor, quem sabe?)
amarradas com um cordão
ou um pedaço de fita.

Mara Senna

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Inveja

 
 Coisas que eu sei
 
Inveja
As más línguas adoram dizer
que o brilho da lua é emprestado.
Mas tudo bem.
Não é todo mundo que tem
o sol como namorado...

Mara Senna
em Luas Novas e Antigas 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Reticências - Mara Senna

 

Foto: Reticências

Quando era criança,
eu sempre colocava
mais de três pontinhos
nas reticências.
Foi inútil...
Tudo passou do mesmo jeito.

Mara Senna em Luas Novas e Antigas.

Ilustração: Toni Demuro - Pag Coisa que eu sei
Toni Demuro -  Página: Coisas que eu sei

 Reticências

Quando era criança,
eu sempre colocava
mais de três pontinhos
nas reticências.
Foi inútil...
Tudo passou do mesmo jeito.

Mara Senna
em Luas Novas e Antigas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Raul de Carvalho

 
1
Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

Raul de Carvalho 
(grande poeta português, 1920 -1984)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Soneto da Separação - Vinicius de Moraes

 
Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Alice Vieira

Pintura: Niki Sands

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero.
 
Alice Vieira
in O que dói as aves (Caminho, 2009) 

sábado, 6 de outubro de 2012

Millôr Fernandes.


Ilustração: Kelly Vivancos
 
Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.

Millôr Fernandes.
 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Florbela Espanca

 
 
“Gosto das belas coisas claras e simples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas. Gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de beleza e de verdade. Porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me refletir, almas de sinceridade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.”

Florbela Espanca

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Crisálida - Mara Senna

 
Crisálida
Que me importa, neste momento,
ser lagarta
ou borboleta?
Só não quero que esqueçam
qual a forma da minha letra.

Mara Senna, 
poema do livro Ensaios da Tarde, 2012

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sísifo - Miguel Torga



Ilustração: Jonas Ranum Brandt

SÍSIFO

Recomeça...
Se puderes
Sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, in Diário XIII

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Chuva Tardia - Mara Senna

 


A chuva tardia veio
mansa e carinhosa,
como se soubesse
que, neste meu solo
seco e machucado,
aridez é ferida

que se cura com cuidado.

Mara Senna
trecho do poema Chuva Tardia, in Ensaios da Tarde, pag.89

domingo, 16 de setembro de 2012

Estiagem - Mara Senna


Este poema de Ensaios da Tarde foi feito no ano passado,
nesta mesma época.
 E parece que este ano está ainda pior por aqui...


Foto: Este poema de Ensaios da Tarde foi feito no ano passado, nesta mesma época. E parece que este ano está ainda pior...
 
Estiagem
 
Arde, em meus olhos
e em minha garganta,
essa secura da tarde.
Da paisagem dos canaviais,
ainda tento arrancar doçura,
mas apenas aspiro 
a sua fuligem negra
e invasiva, como a memória.
Chego a sentir na boca
o gosto dessa poeira vermelha,
de alma roxa e sequiosa.
As imagens se refletem
nos espelhos escuros
dos ribeirões sedentos.
As lembranças assentam-se,
feito pó de viagem,
e tudo me aparece
qual miragem
ou vertigem.
Fantasmas da estiagem
em que eu faço chover
estas minhas palavras úmidas,
como voz solitária que clama no deserto.
 
Mara Senna in Ensaios da Tarde, 2012

Estiagem
 
Arde, em meus olhos
e em minha garganta,
essa secura da tarde.
Da paisagem dos canaviais,
ainda tento arrancar doçura,
mas apenas aspiro
a sua fuligem negra
e invasiva, como a memória.
Chego a sentir na boca
o gosto dessa poeira vermelha,
de alma roxa e sequiosa.
As imagens se refletem
nos espelhos escuros

dos ribeirões sedentos.
As lembranças assentam-se,
feito pó de viagem,
e tudo me aparece
qual miragem
ou vertigem.
Fantasmas da estiagem
em que eu faço chover
estas minhas palavras úmidas,
como voz solitária que clama no deserto.


Mara Senna
in Ensaios da Tarde, 2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Sessão de autógrafos na I Mostra dos Escritores Ribeirão Preto e Região.

CONVITE:
Hoje 14/09, sexta -feira, às 15:00 no Centro Cultural Palace, venha compartilhar poesia comigo em "Das Tarde e das Luas": sessão de autógrafos e leitura de poemas dos meu livros Ensaios da Tarde e Luas Novas e Antigas, como parte da programação da I Mostra dos Escritores Ribeirão Preto e Região. Sua presença me fará muito feliz.
Para quem não sabe, o Centro Cultural Palace fica na Duque de Caxias ao lado do Theatro Pedro II.

Lançamento de Ensaios da Tarde em Araxá - MG



 
"Com açúcar com afeto", assim foi o lançamento de Ensaios da Tarde na minha cidade natal, Araxá - MG  dia 08/09/12.
Presença de muitas pessoas queridas e familiares na bela Fundação Cultural Calmon Barreto, antiga estação ferroviária da cidade.
Muito bom!

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Graça - Mara Senna

 
Graça
 
Ao primeiro sinal de nuvem,
eu já começo a florescer neste deserto,
a vislumbrar terras grávidas,
alegrias ávidas.
A achar graça no sorriso largo
do lagarto,
nas formas bizarras que os ventos
esculpem nas pedras.
A rir da incerteza do oásis,
a me divertir com a embriaguez
da miragem.
Acho que eu começo
é a ter coragem.

Mara Senna
em ENSAIOS DA TARDE, p.88