Caros leitores do blog, hoje quero compartilhar com vocês um pouco do meu lado "prosa". Tenho muito carinho por este texto pois foi com ele que ganhei o meu primeiro prêmio literário no I Concurso de Crônicas da Academia de Letras e Artes... de Ribeirão Preto - ALARP
Espero que gostem.
O passado
Ela sonhara tanto com aquele momento que agora, ali, parada em frente ao espelho, mal podia acreditar que realmente o veria de novo.
Foram muitos anos, muitos longos anos! Não, não tinham sido anos de mocidade, quando o tempo parece ser mais generoso e só acrescentar mais graça e beleza ao corpo. Não. Tinham sido anos de maturidade, daqueles em que tudo vai mudando com uma rapidez extraordinária e um ano a mais parece acrescentar séculos ao rosto. Novas rugas, novos cabelos brancos, novas formas no corpo. Era isso que ela pensava enquanto se arrumava para encontrá-lo.
Por que ele não ligou antes? Por que não a procurou quando ela ainda parecia ter um resquício da bela mulher que fora? Não podia negar que por dentro se sentia bem melhor, mas o espelho, ah, o espelho, esse era implacável. Não a refletia por dentro, o insuportável...
Num impulso, pegou a fotografia que tinha dos dois juntos. Não, definitivamente ela não se parecia mais com a foto.
Por um instante, chegou a se arrepender de não ter feito aquela cirurgia plástica, de ter faltado tanto às aulas de ginástica, de não ter se cuidado tão bem quanto poderia. Ah, se ela soubesse que um dia iria encontrá-lo de novo, talvez até tivesse feito tudo isso... Mas, nos últimos tempos, andava de um jeito que se não tinha mais esperanças de um novo amor, muito menos de um antigo amor batendo à sua porta; e que amor!
Desde que começara a escrever romances, só vivia as histórias dos seus livros e dava a elas o rumo que bem entendia. Era a senhora do destino naquelas páginas. Só tinha se esquecido que o seu próprio destino continuava vivo.
Mais uma olhada no espelho. Talvez se puxasse o cabelo um pouco para frente, escondendo ligeiramente o rosto... E aquela blusa, ah, aquela blusa definitivamente não lhe caía bem! Não sabia onde estava com a cabeça quando a adquiriu naquela liquidação. E se usasse os brincos, aqueles que ele lhe dera? Melhor não – pensou - ele ficaria muito seguro de si ao saber que ela ainda os conservava.
Pensou em colocar algo vermelho. Ele adorava quando ela se vestia de vermelho. Olhou no guarda-roupa. Não havia uma só peça dessa cor.
E o perfume? Ainda tinha o vidro do perfume de que ele tanto gostava. Porém, ao abrir o frasco, logo sentiu o odor amargo das fragrâncias que envelhecem. Num relance, entendeu o que tinha acontecido. O caso dos dois era um perfume velho, com data vencida. Não possuía mais o mesmo aroma e não havia como voltar atrás.
Será que aconteceria o mesmo com os beijos, que não teriam mais o mesmo sabor? Com os abraços, que não teriam mais o mesmo calor? Com os olhares, que não teriam mais a mesma paixão? Seriam as mesmas pessoas se reencontrando? As respostas eram tão óbvias: não!
Olhou-se de novo no espelho. O problema não era só o que via. O problema era o que ela não queria enxergar: certas coisas ficam perfeitas na memória. Melhor deixá-las onde estão.
Lentamente foi tirando o sapato, a roupa, a maquiagem. Vestiu um roupão, sentou-se em frente ao computador e começou um novo livro, uma nova história, cheia de frescor.
O passado? Ele que a esperasse para o resto da vida.
Mara Senna
Esse texto recebeu o primeiro lugar no I Concurso de Crônicas da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, em 2009
Imagem da internet: desconheço o autor